sábado, 8 de setembro de 2012

"Coronel Blimp - Vida e Morte"(1943) - Michael Powell e Emeric Pressburger




A dupla Michael Powell e Emeric Stressburger formaram sob o nome de The Archers a maior associação autoral do cinema.Tomando para si mesmos os roteiros,a direção e a produção,a dupla viria a influenciar e muito Spielbergs,Copolla e outros da New Hollywood.Um dos seus primeiros sucessos artísticos é a  epopeia romântica de Coronel Blimp.Filmado no auge da Segunda-Guerra,contou com sérias ameaças de banimento por Winston Churchill,e muitas caras foram viradas devido ao simpático personagem alemão Theo(Anton Walbrook).
Dois anos após  o surgimento de "Cidadão Kane",Coronel Blimp mostra ser a contribuição inglêsa mais influente para o cinema moderno,guardando similaridades com o filme de Welles em muitos aspectos,tanto no modo como repentinamente desconstrói a narrativa,como no envelhecimento físico do protagonista em uma brilhante  e inovadora maquiagem.Acima de qualquer aspecto visual,como o estonteante uso da cor,é na temática e na personalidade que o filme guarda brilhantismo.

Construido como uma comédia típica do sarcasmo britânico, na mesma linha das produções da Eagle por exemplo,Coronel Blimp é um filme que acaba enveredando por questões mais profundas,se mostrando um sincero estudo de personagem.Com um timing impressionante e câmeras em motocicletas,o filme começa no meio da Segunda Guerra Mundial,onde um  pelotão liderado pelo Tenente Spud displicentemente antecipa a realização de uma "guerra simulada",abordando os generais em um banho turco.No confronto com o velho Major Clive Candy,que não aceita a desculpa da antecipação da simulação para uma aproximação maior com a realidade e pela falta de organização e modos que isso proporcionou,Spud solta um grupo de insolências e insulta o bigode de Candy,resultando numa briga de socos na piscina do clube com o velho Major disparando frases como "Você fala do meu bigode,mas não sabe como eu consegui!Você fala da minha barriga mas não tem idéia de como ela foi aparecendo!".Num pulo temporal impressionante,emerge da piscina o jovem Tenente Candy,em 1902, com o filme tomando a idéia de envelhecimento e aprendizado para tornar aquele típico general  velho e gordo inglês -Coronel Blimp  foi inspirado numa caricatura popular na Inglaterra -no protagonista da odisséia de paixões de alguém que não consegue manter seus valores de honra e dignidade através dos tempos,numa óbvia mensagem de que toda a retrógada diplomacia fleumática britânica deveria ser posta de lado diante do Nazismo.

Toda essa comédia corajosa,uma crítica aos valores ancestrais ingleses,faz com que o estereótipo que o filme faz do alemão,rindo não só da impostação e da linguagem alemã como até mesmo da farofagem da música clássica romântica,fique apenas como mais uma piada dentro do circo das rivalidades militares,se afastando de qualquer atitude xenofóbica.É preciso entender que a Alemanha foi inimiga do Reino Unido nas três guerras pela qual o personagem passa,sendo sempre o lado negro da lua.
Na Guerra dos Boers,na Primeira Guerra e mais obviamente no nazismo da contemporânea Segunda Guerra,o deboche contra o constante inimigo seria inevitável por parte do filme.Quando surge a professora de inglês Edith Hunter,o primeiro  personagem de Debohra Kerr(que faria três no filme),começa  o enveredamento do que há de mais humano na figura ágil e militar de Candy,fazendo com que o surgimento de Theo,um alemão,prove o quanto,apesar das guerras, a humanidade é ligada pelo mesmo fio que tece o amor e a amizade.

Isso acontece quando Clive decide ir de forma indisciplinada para Berlim  para fazer algo relacionado à  Kaunitz,um alemão que estaria espalhando propaganda contra a Inglaterra e coincidentemente tinha sido prisioneiro junto com ele recentemente na Guerra dos Boers.Com a ajuda de Edith,ele localiza Kaunitz e numa série de provocações hilárias num restaurante,ele ofende todo o alto escalão militar alemão,terminando tendo que se enfrentar em um duelo de esgrima com o desconhecido Theo.Com o enfrentamento resultando em uma cicatriz para cada um,Theo e Clive acabam iniciando uma grande amizade no hospital, juntamente com Edith,que  termina se apaixonando por Theo.Com um belíssimo senso de compreensão,Clive aceita de bom grado o casamento de seus amigos,mesmo apaixonado loucamente por Edith.Com o nazismo no auge,o público britânico não aceitou bem o amigo alemão que rouba a mulher do inglês,numa massificada atitude rasa e quase desumana de se ver o mundo,que propositalmente o filme queria despertar.

Separado de seus amigos  e já com o bigode crescido para esconder a cicatriz,o filme pula mais uma vez no tempo para a Primeira Guerra,onde os valores do agora Brigadeiro Clive já vão se esvaindo devido ao caos.Esse anacronismo de valores é explicito nas palavras do soldado que quando questionado sobre o que seria a tal Guerra dos Boers que o velho Clyde sempre se referia com orgulho,responde: "Aquilo não era uma guerra!Apenas uma manobra de campo.";ou na forma antiquada de interrogatório visto como ineficiente para os jovens e  violentos inquisidores "pé-no chão".
É durante a Primeira Guerra que Clive,sem nunca ter esquecido de Edith,encontra sua amada no rosto da enfermeira Barbara(Kerr em seu segundo personagem),se casando com ela após o fim do conflito enquanto Theo,do outro lado, é  mais um oficial alemão devassado pela perda da dignidade em um pais destroçado.

No início da Segunda Guerra,viúvo de Barbara,Clive acolhe o também viúvo Theo em sua casa,após este fugir do nazismo,e contrata como motorista a jovem Angela(Kerr em seu terceiro personagem),coincidentemente namorada do insolente Spud.

Roger Livesey como Candy,supera a múltipla Kerr,entregando um trabalho de atuação perfeitamente único para a época.Um ator de persona própria como Bogart ou Grant ,ele vai além,usando essas características individuais numa composição sublime.A voz e a  sofisticação de sua compostura vão criando carisma para um personagem que vai se tornando ideologicamente irrelevante com o passar do tempo,envelhecendo sensitivamente com o personagem,e tornando próximo de qualquer ser humano uma criatura tão longe de ser popular na época como longe de ser visto como alguém tão rico de identificações: o típico representante das tradições antiquadas do alto comando do exército inglês.
O roteiro dos The Archers é uma auto-paródia cortante,que costura a vida de alguém que respira o militarismo e exalta o imperialismo,desabafando o desespero pendurando cabeças de animais indefesos na parede de casa, ao mesmo tempo que o torna um  homem de carisma quase heróico.Toda a realidade é vista como uma roda que não para de girar,onde os tempos e visões vão constantemente mudando.Por mais que Theo e Candy sejam vitimas dos tempos e seus fugazes valores,sempre haverá uma Debora Ker para mostrar o quanto isso é irrelevante diante dos verdeiros valores humanos.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto, eu adoro esse filme. Minha parte preferida é quando o Theo depois fazer aquele monólogo contra o nazismo, faz as pazes com o Colin após anos e finalmente descobre que as três mulheres são iguais.

    "Nunca pensei que um inglês pudesse ser tão romântico." rs

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